O francês Simon van Lint é o novo desenhista de Ric Hochet, herói misto de detetive e jornalista idealizado por Tibet e A.P. Duchâteau, e trabalha com o escritor Zidrou na nova série do personagem, intitulada As Novas Investigações de Ric Hochet, publicada pela Editora Le Lombard. Com o apoio fundamental do também desenhista francês Paco Salamander, o criador de Les Wipers, que falou com Simon por telefone diretamente da cidade de Aix-en-Provence, entrevistamos o artista. O conteúdo dessa agradável conversa, transcrita aqui em texto, você confere agora.
1 – Bom dia, Simon. É uma honra para nós no Brasil, poder te entrevistar!
Eu estou super feliz de responder às suas perguntas para os leitores do Tujaviu, que eu abraço !
2 – Com As Novas Investigações de Ric Hochet, uma série realizada em parceria com Zidrou, você se tornou herdeiro de A.P.Duchâteau, o antigo roteirista da série, e de Tbet, o primeiro desenhista do personagem, na mais pura tradição da BD Franco-Belga! O que sente por fazer parte dessa aventura?
É uma grande honra poder seguir os passos de Tibet, que infelizmente eu não conheci, embora admire o seu trabalho. Eu tomo isso como uma verdadeiro presente, pois considero que Ric Hochet faz parte do patrimônio da BD franco-belga, com a mesma importância de Michel Vaillant e ao lado de personagens mais célebres, como como Tintin. E eu acho também que Ric Hochet tem fornecido material para muitos leitores e muitos desenhistas que foram inspirados pela obra de Tibet, é claro.
3 -Você e Zidrou ainda continuam em contato com André-Paul Duchateau, para algum conselho?
Zidrou submete sistematicamente os roteiros a André-Paul, que é seu primeiro leitor. André-Paul, em geral, anda muito entusiasmado com o trabalho de Zidrou. Até agora, não houve nenhuma dificuldade em trabalharmos juntos, porque se trata de alguém muito amável e muito atencioso em relação a nós. Tivemos muita sorte!
Infelizmente, eu não o vejo muito, pois ele vive na Bélgica, Zidrou na Espanha e eu mesmo, no Sul da França, em Aix-en-Provence. Então, é claro que isso não ajuda a ter um contato regular. Mas, já nos encontramos duas vezes para troca de informações antes da retomada do Ric e, em seguida, para comemorar a concretização do projeto. E também, para darmos algumas entrevistas na Bélgica.
4 – Duchâteau aprovou o resultado do seu trabalho?
Aparentemente, sim! De qualquer maneira, se não gostou de alguma coisa, não nos falou. Ele foi, como já disse, muito simpático. Por isso, tivemos uma retorno bastante entusiasmado de sua parte. Ele amou o lado sedutor da HQ, quer dizer, a liberdade que Zidrou usou em mudar algumas coisas em relação à série original, no tomo 1, no caso do personagem Camaleão, por exemplo.
Foi interessante focar o ponto de vista sobre esse herói, mas também, flertar com a BD original, através de um de seus personagens emblemáticos, mais precisamente, o Camaleão, o que agradou bastante a Duchâteau. E eu também acho que ele gostou do fato de que nós realmente investimos de verdade nisso e que não se tratava apenas de um pastiche ou de uma simples repaginada da série original, mas nós tentamos realmente dar forma a esse álbum e nos manter, sempre que possível, à altura da obra original, o que ele próprio nos confessou ter apreciado. O ideal, seria fazer essa pergunta a ele mesmo, mas, infelizmente, é alguém difícil muito difícil de se encontrar.
5 – Você já era um fã desta lendária série?
Infelizmente, não! Não era leitor do trabalho de Tibet, nem de Ric Hochet, nem de Chick Bill. Então, eu tive que me envolver com esse universo, por causa desse álbum! No começo, eu procurei Zidrou para trabalhar com ele a partir da obra original. Tinham proposto a ele que trabalhasse em um roteiro para a realização de uma história única em torno da série Ric Hochet e foi ele mesmo que me chamou para fazer um teste para o álbum. A aventura me pareceu interessante, apesar de não estar familiarizado com o mundo de Tibet, mas devo dizer que não fiquei decepcionado.
Claro que eu conhecia o personagem, uma vez que ele é muito famoso aqui, mas, de minha parte, eu nunca tinha lido Ric Hochet. Foi então uma grande descoberta e ainda estou tomando pé de tudo. Portanto, o fato de aderir a uma série sólida também enriqueceu o meu trabalho e igualmente me permitiu aumentar o meu próprio vocabulário gráfico.
6 – Quem teve a ideia de promover uma substituição de Ric Hochet pelo vilão Camaleão no volume 1 “, R.I.P. RIC! “?
Ao meu ver, foi o grande Zidrou que teve essa ótima ideia, que abriu um leque enorme de possibilidades, entre elas, a de reintroduzir todo o universo de Ric Hochet, através do personagem Camaleão, sem que seja um fardo para os antigos leitores e os novos. Assim, foi possível trazer tudo de novo, fazendo com que ele participasse da história. Então, as informações não são impostas ao leitor. Elas chegam de maneira natural, pelo personagem Camaleão. Então, eu acho que foi uma excelente ideia!
7 – Você vive no sul da França e as histórias de “As Novas Investigaçõs de Ric Hochet” se passam em Paris, em 1968. Como você faz para reproduzir os detalhes da capital?
Eu tive que ir a Paris, principalmente por causa do Jardim do Luxemburgo, presente no volume dois. Mas, obviamente, pelo fato de Paris ser uma cidade extremamente turística, encontramos muita informação na internet. Então fica fácil de fazer a documentação.
Por outro lado, em relação aos anos 1960, para o volume 1, eu fui direto aos arquivos das Galerias Lafayette, que deram acesso a todo um arquivo de fotos que eles conservam há anos, o que me permitiu fazer uma imersão total nas lojas dessa rede na época, já que é lá que uma das sequências acontece. Mas como eu já te disse, eu faço um monte de pesquisas em outros lugares da Internet, assim como naqueles filmes do Inspetor Maigret rodados nos anos 1960 e que são, por acaso, bem próximos do universo de Ric Hochet. Ou ainda em 36 Quai des Orfèvres. Felizmente, nós temos um belo banco de imagens inspiradoras à disposição.
É bem verdade que é mais difícil para nós criarmos um Ric Hochet que se vive nos anos 1960, do que para Tibet, que conhecia essa época e possuía toda a documentação contemporânea necessária. Então, em relação aos menores detalhes, como um telefone, ou um par de óculos por exemplo, eu procuro usar imagens e documentos que nem sempre são fáceis de serem achados.
8 – Passou muito tempo no Jardim do Luxembourg, que é o centro da intriga do volume dois?
Sim, eu passei um tempo no Jardim do Luxemburgo. Eu levei um dia para tirar muitas fotos do Jardim. Eu mesmo o reproduzi em 3-D no meu computador, para ter uma visão mais clara do lugar e me impregnar do tamanho de um parque que é realmente, muito, muito grande. Especialmente, a Esplanada Central com o grande jardim situado em frente ao Senado, porque eu tive dificuldade em perceber a envergadura do lugar quando voltei para casa.
Mas, eu não uso necessariamente o 3-D para reproduzir diretamente um desenho que é exibido em três dimensões, mas isso me permite ter em mente a melhor visão possível. Então, eu passei algum tempo em Paris, por causa dessa parte do álbum.
9 – Já que você mencionou o 3-D, a modelização dos lugares facilitou alguns de seus enquadramentos?
Sim! Claro que é útil! Eu penso em algumas partes, como a sala da casa de Ric Hochet, que eu também modelei em 3-D, me permitiu modificar o ângulo da câmera e ter, de vez em quando, uma surpresinha como um enquadramento não esperado. Mas, na maior parte do tempo, conseguimos antecipar enquadramentos e o 3-D possibilita a melhor forma de vê-los.
10 – Como é a parceria Simon vaLiemt / Zidrou?
Bem, é muito simples! A gente troca muitos e-mails. Zidrou costuma entregar um roteiro inteiro para seus desenhistas, mas como nos últimos tempos, ele tem tido muito trabalho, entre adaptações cinematográficas de suas obras e os inúmeros álbuns que ele publicou recentemente, não pôde me passar todo o argumento do volume 3.
Então, agora eu estou trabalhando na primeira parte desse tomo 3, ou seja, as primeiros 21 páginas. Mas até lá, ele me entregará o álbum inteiro. Em seguida, eu mando para ele a decupagem, sequência por sequência, que ele valida, e então eu passo para as pranchas finais, com tinta. Minhas decupagens são muito precisas. Não ao ponto de serem publicáveis, mas suficientemente legíveis.
Também são uma forte indicação, já que eu trabalho com cor, indicando a luz na decupagem, o que permite que o colorista perceba a intenção de luminosidade da página. É muito prático e é uma excelente ajuda para o colorista, com o qual eu trabalho com regularidade. Ele também mora em Aix-en-Provence.
11 – Você é francês, nascido na cidade de Aix-en-Provence. Sobre o seu nome de família, van Liemt, você costuma ser confundido com um autor de origem belga?
Sim, de fato, houve um longo artigo quando eu ainda era totalmente desconhecido no mundo dos quadrinhos, em que disseram que eu era um jovem autor belga. Fora o fato de ter vivido na Bélgica, eu não tenho origens belgas. Minhas ancestralidade é holandesa, por parte de pai.
12 – Como foram seus anos em Liège, na Bélgica, no Instituto Saint-Luc?
Muito bons, exceto pelo fato de não achar que eles estivessem preparados para ensinar quadrinhos corretamente, num tempo em que eu ainda era jovem e não estava ainda totalmente pronto para me entregar de corpo e alma ao trabalho. Nunca é fácil investir plenamente em um trabalho nessa idade. Mas, infelizmente, eu acho que a escola de Saint-Luc, naquela época, era mais um lugar para se aprender ilustração do que quadrinhos. Ela carecia de profissionais do metiê para transmitir um melhor know-how. Hoje, a escola está melhor equipada para ensinar quadrinhos, contando inclusive com Éric Warnauts, que dá aulas lá. Por outro lado, eu gostei da cidade, das pessoas e eu conservei muitos amigo de Liège, é claro!
13 – Como você concilia a produção de álbuns de Ric Hochet com a realização de Poker, uma série com base em cenários de Jean-Christophe Derrien?
Por ora, deixei POKER de lado e eu acho que talvez não vai haver uma sequência, no futuro, mesmo tendo avisado na última página do volume 4 que se tratava de um fim de ciclo, e não o fim da série. Agora, eu me dedico inteiramente à causa do Ric Hochet.
14 – Quais são os seus personagens favoritos da BD clássica?
Eu adoro Jérôme K. Jérôme Bloche, de Alain Dodier e Pierre Makyo. Faz parte dos personagens que me inspiraram também na parte gráfica. Eu amo o personagem Tintin e todos os protagonistas da série. Em Ric Hochet, eu tenho um carinho especial por dois personagens, Nadine e o Inspetor Ledru, que possui uma personalidade especialmente tempestuosa. Na verdade, temos pouca informação sobre ele, mas acho que o personagem é muito rico e acho que um spin-off com ele poderia ser interessante!
15 – O que podemos esperar das próximas aventuras de Ric Hochet?
O próximo episódio, “Como ter sucesso num assassinato”, acontecerá parcialmente em Paris e também numa cidade na Bélgica. A primeira parte do cenário de Zidrou é bastante emocionante. O leitor será mergulhado em uma investigação muito sombria, as sequências se encadeiam, embora não tenham paralelo entre si, e isso me permitiu variar as abordagens da narrativa, o que é particularmente excitante.
16 – Obrigado, Simon van Liemt, por ter gastado um pouco do seu precioso tempo com nossos leitores!
Obrigado a você, PH, e a Paco, e a todos os seus leitores no Brasil.
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