Em "Os escravos esquecidos de Tromelin", Sylvain Savoia conta o drama real dos sobreviventes de um naufrágio no século XVIII

Localizada na área da Bastilha, em Paris, a Livraria BD Net é um dos bons lugares para a compra de quadrinhos. Foi lá, que conheci Les esclaves oubilés de Tomelin (Os escravos esquecidos de Tromelin), de autoria de Sylvain Savoia. A HQ é um espetáculo da Nona Arte, em termos de aventura, pesquisa histórica e roteiro, pertencente à coleção Air Libre da belga Dupuis.

A obra explora os sombrios tempos da escravidão e conta a história de um grupo de escravos que foram parar em uma ilha, ao largo de Madagascar, após o naufrágio do barco da Companhia da Índias em que eram transportados para a Europa. O fato é real e aconteceu no ano de 1761. A princípio, este minúsculo e salvador pedaço de terra, formado por corais, também foi a casa dos brancos da embarcação, comandados pelo Tenente Castellan. Sem achar que as chances de sobrevivência no local fossem elevadas, num ambiente sem água potável e árvores, o oficial resolve pedir a ajuda dos escravos malgaches para construir um outro veículo, utilizando partes que sobraram de seu navio original. Os negros concordam, achando que também poderiam deixar aquela prisão perdida no Oceano Índico. No final das contas, por não haver espaço suficiente para eles, são abandonados à sorte, com a promessa de que seriam resgatados e libertados brevemente. O tempo se passou e 15 anos depois, em 1776, apenas sete mulheres e uma criança de oito meses, sobreviventes do grupo original de 80 escravos, ainda se encontravam vivos e foram finalmente salvos.

A narrativa é emocionante e foi toda baseada em pesquisas arqueológicas realizadas, nos dias atuais, na Ilha de Tromelin. Todo o trabalho foi feito por um grupo de cientistas, chefiado por Max Guérout, que revelaram todo o sofrimento destas pessoas, tiradas de seu mundo em Madagascar e jogadas em um universo profundamente hostil à vida humana. Aos poucos, a equipe de estudiosos foi desenterrando vestígios de antigas construções e utensílios neste pequeno atol que funciona atualmente como uma estação meteorológica. Tudo foi acompanhado de perto por Savoia, que fotografou o que podia e desenhou, com precisão, cada um dos expressivos quadros desta BD. Através da exploração do campo, descobriu-se que um dos responsáveis por dizimar parte dos malgaches restantes do desastre teriam sido as panelas de chumbo utilizadas para transportar água. É que ao terem contato com o fogo, estes utensílios desprendiam substâncias tóxicas que envenenaram muitos deles. Várias mortes foram igualmente causadas por devastadores ciclones.

Les esclaves oublés de Tomelin mostra, na verdade, duas histórias separadas por séculos, já que parte do argumento, relacionado à saga dos pesquisadores, também virou uma história em quadrinhos que vai se alternando com o drama vivido pelos escravos.

São 120 páginas impressas em papel especial, num luxuoso álbum em capa dura, com formato de 24 x 31 cm. No final da publicação, diversas fotos e um texto elucidativo completam esta HQ que, infelizmente, não tem tradução para o português. Não é por isso, que deixamos de falar sobre ela!

Por PH.