Quadrinhos

Em “Mermaid Project Vol. 3”, o desenhista e roteirista brasileiro Leo imagina um Rio de Janeiro futurista e ecologicamente correto

Escrito por PH

DSC05801Mermaid Project (Projeto Sereia), a terceira HQ desta saga, chegou em junho de 2014 às livrarias francofônicas. Trata-se de uma série de ficção científica roteirizada pelo brasileiro Leo Corine Jamar, com desenhos de Fred Simon e cores de Jean-Luc Simon. Os quatro idealizaram um futuro dominado pela engenharia genética e por sérias alterações climáticas. Neste contexto, a inspetora Romane Pennac é uma jovem policial parisiense que  investiga um misterioso desaparecimento de corpos e descobre as perigosas experiências da Algapower, empresa na qual seu irmão é um dos pesquisadores. A companhia misturou o genoma humano ao de golfinhos, desenvolvendo uma nova espécie que será usada com propósitos puramente comerciais. Uma dessas cobaias, o golfinho Delph, sacrificou sua vida para ajudar Pennac no segundo episódio de Mermaid Project. De uma falida e devastada Paris, ao Rio de Janeiro, passando por Nova York e CanadáPennac ficará na cola da Algapower, tentando elucidar todos os segredos nefastos que ela esconde. 

Neste capítulo três, toda a história se passa no Rio, onde Pennac chega disfarçada de Rosalie Perret. Na aventura, os autores deixaram a capital fluminense com um visual moderno e bem longe daquele que vemos atualmente na Cidade Maravilhosa. A estrutura da sociedade carioca e brasileira também sofreu uma grande mudança. Nela, negros e mestiços dão as ordens, num  universo remodelado em que não foram apenas os brancos que perderam seu poder. Todo o chamado Terceiro Mundo emergiu de vez, fazendo com que Europa e Estados Unidos não possuíssem mais a influência que sempre tiveram na geopolítica planetária.

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De cara, através de uma vista aérea, vemos um avião de empresa brasileira, sobrevoando uma arrojada metrópole. Dá para perceber prédios futuristas que possuem jardins em seus terraços ecologicamente corretíssimos. É sabido que a existência de verde no topo das construções ajudaria a diminuir o calor nos grandes centros.

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Nas cenas em que aparecem praias, uma delas chama atenção, mostrando uma espécie de metrô de superfície que percorre a orla. Imagine se isto acontecesse de fato! Ajudaria bastante a reduzir o tráfego de automóveis e poluição no perímetro costeiro urbano. Acho que já ouvi falar de um projeto real, neste sentido, que ficou apenas no papel. Segundo ele, este trem passaria pelo calçadão central que existe na praia de Copacabana, ligando o Leme ao Posto Seis. Abaixo, veja como ficaria, se fosse verdade. Na terceira ilustração a seguir, perceba que este sistema não se restringiria apenas às praias, chegando a outras partes da cidade. Repare também no estilo dos automóveis em circulação, misturando design avançado a um visual retrô, anos 1950.

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Nem mesmo o Corcovado e seu famoso Cristo Redentor foram esquecidos neste novo Rio de Janeiro repaginado para os quadrinhos. Ele é visto em todo o seu esplendor por Romane, do ponto de vista de uma janela de hotel, cercado por modernidades da engenharia civil que parecem brotar do asfalto.

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É claro que o Rio antigo não poderia desaparecer da proposta da HQ. A prova desta convivência arquitetônica entre várias épocas pode ser vista em um antigo casarão rosado que é a sede carioca dos superiores da investigadora, lembrando, ao mesmo tempo, os estilos do Museu Imperial de Petrópolis e do Arquivo Nacional. Será que vai demorar muito para vivermos num lugar assim, tão mais bonito e ordenado do que imaginamos que o Rio pode passar a ser? São os quadrinhos, antecipando os dias que estão por vir! Parabéns a  Leo, Jamar e a Simon pela detalhada reconstrução de minha tão problemática cidade

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Em relação a Leo, o desenhista carioca estudou engenharia e militou pela esquerda, em tempos de Ditadura. Por causa deste passado político, teve que morar no Chile e Argentina. Voltou ao Brasil, nos anos 1970, onde trabalhou com ilustração para jornais e revistas. Sua primeira HQ de ficção científica saiu na revista Bicho. Estabelecido na França, há muito tempo, ele é um dos mais prestigiados artistas de quadrinhos deste país. Além de desenhar, é um ótimo escritor.

Corine Jamar nasceu em 1962 e trabalha no mercado publicitário, como Diretora de Arte, há 12 anos. Ela também escreve. Ficou conhecida por fazer o roteiro de Filles d’Aphrodite (Glénat), com o traço de André Taymans.

Fred Simon nasceu na Bretanha, França, em 1967. Logo, se apaixonou pela banda desenhada, acompanhando o trabalho de feras, como Franquin, Morris, Jean Giraud (Moebius), Conrad e muitos outros artistas. Rails, feita em parceria com David Chauvel, foi a primeira série em quadrinhos que desenhou. Antes de se engajar em Mermaid Project, pela Dargaud, teve vários álbuns publicados pela Éditions Delcourt.

Entre os trabalhos realizados por Jean-Luc Simon, como colorista, está Arthur, uma série composta por três ciclos de três volumes, formando uma história completa, desfilando por um rico universo mágico e mitológico. Arthur é uma adaptação, para a Arte Sequencial, das histórias do lendário Rei Arthur, nobre inglês que teria existido no início do século VI. A coleção começou em 1999 e foi encerrada em 2006. Pelo que vi em Mermaid Project, acho que Simon não usou processos digitais de colorização em sua confecção. Suspeito que tenha empregado tinta Ecoline, à moda antiga.

Mermaid Project Tome 3 tem 48 páginas, capa dura, formato de 24,5 x 32 cm e preço em torno de 23 euros. Pelo que conheço da realidade de nosso mercado de quadrinhos, nunca deverá chegar por aqui. Uma pena! Se você se interessa verdadeiramente por HQs europeias e deseja colecioná-las, a única solução é aprender francês. Foi o que fiz. Não me arrependo! O conhecimento deste idioma me deu a possibilidade de me aprofundar em um segmento maravilhoso, desconhecido completamente pelos brasileiros. O que conta aqui é a mais refinada arte, roteiro adulto, e um bom gosto sem paralelos, fugindo completamente da dinâmica do mainstream. Não é à toa que dizem que o francês é a língua da cultura. Isto é a mais pura verdade! Em minha humilde opinião, os melhores quadrinhos vem deste país e da Bélgica. A maioria não tem a menor ideia disso! E pensar que ainda tem muita gente, na minha pátria, que acha que HQs são feitas apenas para o público infantil! Acho que nasci no lugar errado! Mesmo assim, conforme a próxima foto, faço questão de exibir esta impressionante bande dessinée francesa.

Meu carnaval é assim mesmo! Não estranhe! Nada de álcool ou folia nestes dias. Meu negócio é ler e fazer resenhas de quadrinhos! Seja bem-vindo ao clube!

PH

Mermaid Project - Leo - Tome 3

Por PH.

Foto em que apareço com o álbum na mão: Marcia.

Arte: PH.

Imagens: Dargaud / Fred Simon. 

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Sobre o Autor

PH

É ex-locutor do TOP TV da Record e radialista. Também produz a série Caçador de Coleções e coleciona HQs europeias, nacionais e quadrinhos underground

1 Comentário

  • Muito bom Leo, ! realmente esses são os fundamentos que constituem a infância de um nerd. impossível não amar e se apaixonar por essa arte.Parabéns!

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