Quadrinhos

“O Naufrágio do A” e “Antes da Letra”, duas belíssimas HQs de Fred, autor que costumava adiantar a Goscinny as histórias de Philémon que iria publicar

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Escrito por PH

mattttttttQuem está na faixa dos quarenta a cinquenta anos, talvez se recorde de Philemon, que teve apenas um álbum editado no Brasil dos anos 1970 pela Cedibra. Me lembro, como se fosse hoje, de ter lido o Philemon e o Náufrago do “A” (Philémon: Le Naufragé du “A”). De autoria do desenhista Fred, esse enigmático personagem dividia a prateleira das livrarias, na época, com Asterix, Mortadelo e Salaminho e Lucky Luke. No Rio de Janeiro, era fácil achar esse quadrinho na saudosa loja SEARS de Botafogo.

O herói fez sua primeira aparição em 1965, numa história das revista Pilote, e já teve 16 álbuns editados. O último foi lançado em 2013 pela Dargaud.

Philemon é um pacato jovem que vive em 1968, no vilarejo de Champêtre, com seu pai e o burro Anatole. Um belo dia, vai buscar água em um poço, onde repara que algumas garrafas com pedido de socorro começam a emergir na superfície daquele reservatório. Intrigado com a situação, decide descer por uma corda e tentar descobrir o que está acontecendo. Acaba se desequilibrando e vai parar em um estranho lugar, conhecido como o Mundo das Letras, se encontrando em uma ilha que leva o nome de “A”. Esse pedaço de terra é apenas uma de várias ilhotas que compõe o nome Oceano Atlântico.

Em “A”, Philemon conhece Bathélémy, um estranho cavador de poços que se veste como Robinson Crusoé e que está perdido há quarenta anos naquele universo à parte. A exemplo do herói publicado pela pela primeira vez por Daniel Defoe em 1719, Barthélemy também possui um companheiro chamado Sexta-Feira. Trata-se de um mitológico Centauro que ele encontrou com um espinho preso à pata. Ao retirar o doloroso aguilhão da criatura, mistura de ser humano e cavalo, o monstro vira seu humilde servo e uma espécie de mordomo da casa de Barthélémy, construção que não para de brotar do chão.

Não demorará muito para que Philemon e seu novo amigo viajem rumo a uma ilha próxima, onde nosso herói procurará por uma saída dali, num tipo de argumento que se aproxima bastante do conceito empregado por Lewis Carroll em Alice no País das Maravilhas.

O Naufrágio do “A” nunca mais foi editado no país, mas pode ser comprado novo na França com a maior facilidade, juntamente com o restante da coleção. O quadrinho possui prefácio de Goscinny, eterno roteirista de Asterix, para o qual Fred costuma contar as histórias de Philemon, antes que fossem publicadas. O autor simplesmente entrava no escritório de Goscinny, com um sorriso que se escondia por trás de seu característico e volumoso bigode, sentava-se confortavelmente em algum sofá e começa a narrar o que seriam seus próximos álbuns de Philemon.

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Curiosamente, O Náufrago do “A” corresponde à segunda aventura da série. A primeira é Avant la Lettre (Antes da Letra), de 1978, cujas páginas 30 e 31 estão mostradas logo abaixo. Ontem, eu finalmente tive um tempo para lê-la e gostei muito! Conferi a HQ em um antigo integral da Dargaud que pertence à Collection Omnibus, trazendo também O Naufrágio do “A” e Philemon e o Piano Selvagem.

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Nesse curioso tomo zero, que não interfere em nada na compreensão do resto da série, Champêtre começa a experimentar fatos estranhos que somente Philemon percebe. Primeiro, ele quase é atacado por um imenso crocodilo num riacho em que toma banho. Em seguida, um misterioso palhaço lhe atira uma torta na cara. O jovem tenta explicar aos habitantes do vilarejo o que aconteceu com ele, sem sucesso. Todos pensam que ele está maluco. Não se dando por vencido, ele vê mais tarde o clown entrando por uma abertura falsa em uma árvore e consegue passar pelo mesmo lugar. A porta se fecha e Philemon mergulha em um mundo subterrâneo bizarro, comandado por um amante de atividades circenses. O homem sequestrou diversos moradores da cidade acima e os hipnotizou para que virassem profissionais zumbis de circo, largando suas personalidades para se dedicarem apenas a isso. Philemon é igualmente aprisionado, pois o chefe dessas profundezas terrestres tem planos para transformá-lo em um domador de feras. Conseguirá o garoto resistir à hipnose forçada, se livrar de seu cativeiro e voltar a Champêtre?

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Não contarei o fim da trama, mas recomendo a leitura dessa obra-prima da banda desenhada franco-belga. Seu desenho é propositadamente tosco, mas o roteiro é incrivelmente cativante! Philemon é mais um injustiçado desconhecido dos quadrinhos europeus no Brasil!

Em relação ao autor da HQ, o francês Fred (Frédéric Othon Théodore Aristidès) roteirizou várias HQs, jtrabalhando com artistas como Jean-Claude Mézières, Loro, Hubuc, Georges Pichard, Mic Delinx e Alexis. Foi um dos criadores da revista Hara-Kiri, publicação que misturava humor ácido e política. Entre outros, recebeu em 1980 o Grand Prix do Festival Internacional de AngoulêmeFred morreu em Paris, aos 82 anos de idade, no dia 2 de abril de 2013.

Por PH.

Sobre o Autor

PH

É ex-locutor do TOP TV da Record e radialista. Também produz a série Caçador de Coleções e coleciona HQs europeias, nacionais e quadrinhos underground

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